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Blade Runner 2049: controla-se a mentira, e eis então o Injusto Perfeito

Esse filme é uma mentira; só no fim alcança a verdade — inda que particularmente. O filme é o agente K e protagonista, é o protagonista e agente K; quando percebe que aquela que o levara a acreditar ser especial do que só mais um replicante "modelo novo", "contentado com limpar a merda..., porque nunca viu um milagre" —, ser na verdade um mero programa artificialmente inteligente, treinado para ser tudo aquilo que se quer ouvir, ver ou sentir, brincando livremente com suas fantasias e desejos a ponto de apelidá-lo genericamente de Joe — um nome "especial" a pessoa "especial" de K, certo? cujo verdadeiro nome, por ser um humano feito clonado e condenado a servir e obedecer, não existe; tendo por identificação simples código de começo 'K' —, finalmente toma uma legítima e solene decisão em toda sua mentirosa vida, como se o próprio K conjecturasse, "deixe-me ao menos tornar minha morte real, pois morrer pela causa certa é a única coisa que nos torna mais humanos do que humanos", síntese perfeita entre Freysa e Mariette, duas condições suficientes ao despertar de K, e de necessário foi o que presenciou naquela ponte logo após a icônica linha: 

You look lonely. I can fix that.

E logo de vilão temos nada menos do que a heroína e namorada Joi, engodo dos muitos perfeito ao seu inviso inventor e verdadeiro mal. Ainda é idiota e particular assim pensar — é coisa complicada —; a verdade é que o mundo de K está perdido, atolado na mentira tecnológica, sustentada por pessoas como Niander Wallace Jr., criador de Joi —, enfim cabe, suponho, aos pilares do sistema alimentá-la, à plebe acatá-la, pois quem primeiro acatara foram os pilares por influxos esculturais de pessoas como feitor Wallace. Mas ainda é atro o panorama. Organicamente, durante o filme inteiro, é como se as pessoas tivessem perdido o contato com a realidade, obliterada pela analogia; elas então começam a esquecer até mesmo o que é analogia e igualam-na à realidade, outrora resumida, e disso só sobra a falsidade. É o que fica a se colocar em lugar da esfera do real, mentirosamente, por aqueles que até perceberam-na, mas é demasiado tentador para simplesmente largá-la, por derivação de sentido o poder acometido por controlá-la: o controle do que é verdadeiro e do que é falso; o controle da mentira. É que ninguém conscientemente desordenado joga poder fora, justa a liberdade absoluta e procura interminável por tiranetes, e por vezes assim defendida como princípio do que norma pragmática.

Veja, o mundo de K é onde Sócrates de A República perdera para Trasímaco, cuja tese 'a justiça é o interesse do mais forte, e o justo é o lucro do próprio homem' ganhara.