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Humildade

Certo dia, assistindo a uma das videoaulas soltas do Professor presentes no YouTube (espera-se que assim eternamente), percebi por sua excelente docência quão somos o oposto de quaisquer adjetivações que possamos nos dar, levados sobretudo por nossos sentimentos lamuriosos, tristezas, fracassos ou angustias. Percebi quão somos o completo oposto de, por exemplo, "um nada", "não sirvo", "não presto", "maltrapilho", "fracassado", "miolo-mole", etc., à medida que aceitamos que, por nós mesmos, nada somos realmente. Quer dizer, pressupondo a inferioridade, conclui-se a superioridade? Sim. Mas a pergunta que o mais fica: a inferioridade à superioridade em que medida? Isto é, onde ou em que parte fica porquanto o nexo que como num silogismo daria uma premissa menor? Afirmo e assino embaixo à minha própria afirmação: é uma videoaula daquelas! talvez extraída de seu Curso Online de Filosofia, mas um mais solene 'obrigado' à carta de Eduardo Ribeiro ao professor, sem a qual e influxos talvez não se dedicasse a comentar acerca da Experiência e tampouco houvesse similar gravação. Uma em que o filósofo, dissimilante aos "colegas" pelo evento "honorário" dum curso ou diplomação, fica não no título, o qual honorificamente não tem, mas que subjaz em prática filosófica, da que muito dispõe, concluindo ser o próprio reconhecimento duma superioridade presente em nós seres humanos, ante certa inferioridade, a primaz constituição mesma da mais verdadeira humildade.

A ponte (como dizem os jornalistas): Santa Catarina de Siena. Vamos ao lucro, pé a pé.

Santa Catarina de Siena, e entendamo-la pressupondo a alma imortal sem a qual a compreensão de suas palavras reveladas a ela através de Deus seria outra (em algum momento do vídeo, Olavo de Carvalho dizia ter explicado 'impossibilidade' sob a hipótese da alma mortal), mostra-nos através da Revelação, entre outras coisas, que o homem precisa necessariamente se autoconhecer para reconhecer Deus em si próprio e, a partir disso, receber tudo de que necessita, requerendo antes que desça caridosamente ao "vale da humildade" para fazê-lo, tal como o próprio Deus referia-se. Através da cópia de Suas palavras, como diz ela, "exatamente", Deus também diz anteriormente que mortificações algumas ou penas mortais, sofrimento finito para as cujas satisfações são finitas e não infinitas, não podem reparar culpa alguma no que concerne a Deus e de sua ofensa, salvo essas mesmas mortificações e sofrimento se praticadas no "autoconhecimento e na consciência das culpas pessoais", que, de maneira alguma, são necessariamente absolvitórias, porque ainda Deus diz que, por ser Ele um "bem infinito", a "ofensa contra mim pede satisfação infinita", e como "todo o sofrimento que o homem suporta, nesta vida, são insuficientes para satisfazer pela menor culpa", Deus mostra-se misericordioso ao permitir que o homem satisfaça suficientemente a culpa pelo "amor, pelo arrependimento e pelo desprezo do pecado",  e que esse tipo de arrependimento pode substituir o lugar da "culpa e reato", — o reato é a parte dolorida devido à própria culpa ("pena devido à própria culpa do pecado", diz Olavo, "pena inerente ao próprio sentimento de culpa") —, não pela "virtude dos sofrimentos padecidos, mas pela infinitude do amor". Amor é comumente conhecido pela virtude da caridade, justa como qualquer outra; o amor envolve mais de uma pessoa e, por envolvê-las (caridade), quer dizer "doar-se de corpo e alma", como quando Cristo se doara por toda a humanidade, passada, presente e porvir.

Ora, esse tipo de coisa, um arrependimento desse, há de requerer, obrigatoriamente, um autoconhecimento dos mais francos de si mesmo, e sobretudo é necessário a caridade e sua virtude em resposta válida para fazê-lo (arrependimento), como nos faz crer S. Paulo, e o próprio Deus que no relato de Santa Catarina advertira de acordo (antes é Paulo que está de acordo com Deus), que o homem ainda antes "falasse as línguas dos anjos, adivinhasse o futuro, partilhasse os bens com os pobres, entregasse o corpo às chamas, mas não tivesse caridade, tudo isso de nada valeria", que dirá o "sofrimento pelo sofrimento"! digo, sem a intervenção precisa do autoconhecimento sob a prudente validez da caridade, sincera e sem vaidade. Deus continua e concluí à Catarina que a culpa "não é reparada pelo sofrimento, suportados unicamente por sofrimento, mas sim pelo sofrimento suportado com amor, com desejo, com interna contrição"; se mortificações, é preciso aquelas, segundo Deus, como mortificações e sofrimento satisfizessem sob certo cauto já nos revelado mas sem a expiação suficiente dos pecados, mortificações que satisfação "pela culpa na feliz comunhão do amor adquirido na contemplação da minha bondade", mortificações que "satisfazem graças à dor e à contrição quando praticadas no autoconhecimento e na consciência das culpas pessoais". Aí está mais uma vez o autoconhecimento, tanto mais "autoconhecimento e na consciência das culpas pessoais". Palavrinha-palavrão. Pois continua-nos Deus, "esse conhecimento de si gera desprezo pelo mal, pela sensualidade, induz ao homem ser merecedor de castigos e indigno de recompensas". (Aqui Olavo dá um tempo da leitura e eu também; ele, porém, da espaço a filosofias, e quanto a mim, sob sua tutela, meto-me atento a escutá-lo).

— E esse arrependimento... Esse tipo aí... é perante quem?, pergunta-se Olavo. 

Evidente que, influenciado, me fiz a mesma pergunta. — Perante quem?  

Daí que vem a pressuposição média ao prisma de uma compreensão do que Deus diz sob a hipótese duma alma imortal. Arrepender-se, depois de tudo que Deus nos disse, através duma alma mortal, como bem dedicara-se Olavo a elucidar, seria um paradoxo. 

Na hipótese da alma mortal, as culpas seriam perdoadas através dessa verdadeira e única contrição pela misericórdia divina, com a esperança de que, pós à morte corpórea, a alma ganhe uma imortalidade, do contrário de que seria necessário, primeiro, perdoar? antes, qual seria a serventia se alma mortal simplesmente vencesse e acabasse sem alguma renovação das duas verdades: ou Céu o Inferno? Quer dizer, nesta hipótese morre-se o corpo, a alma de alguma maneira sobrevive, e este sobrevivente ganha uma imortalidade. Isto é, um dupla imortalidade; uma segunda que se sobrepõe a primeira. Já aqui a alma não morreria com o corpo; tendo essencialmente imortalidade em relação ao temporalidade onde vivemos e morremos. O que redundantemente se conclui de uma forma ou de outra: imortalidade; tanto antes da morte do corpo, quanto depois da morte do corpo. Mas e se a alma morre mesmo, quero dizer, junto ao corpo? Nesse que é um clarividente absurdo do que um simples pleonasmo tautológico bobo, a alma morre para ganhar imortalidade; antes viesse viver para viver do que antes morrer para viver, a alma. Como a vida poderia comportar em seu âmago mesmo a morte? a ausência mesma da vida? E se mesmo assim disséssemos: "alma é mortal mesmo!", com direito a batida no peito; o nosso arrependimento e verdadeira contrição seria meramente terrestre e jamais intrinsecamente a isto transcendente, e já não há sentido nas palavras de Deus registradas pela santa. Na melhor das hipóteses, no caso desse modo tão somente terrestre, contrair-nos-íamos arrependidos a algum símbolo sabe-se-lá-quê de Deus, — que de Deus nada tem.

Agora, sob a hipótese imortal abre-se-nos essa obviedade ululante, compreendida nessas duas sentenças separadas do próprio Deus à Catarina: "eu tenho uma duração ilimitada", "ao perceber que por ti mesmo, nada és", esta última aludindo a todos nós, seres humanos; isso revela-nos a fundamentalidade nossa enquanto seres limitadamente corporais, e ilimitados na alma, não por nossos méritos, mas por Ele sê-lo antes de nós e, justamente por sê-lo antes de tudo e todos, sustentar-nos n'Ele tal como verdadeiramente somos, primordialmente idealizados, conhecidos e amados por Deus. Isso responde a indagações como: "mas da onde vem isso"; "por que assim sou". Por causa d'Ele. 

Se nos autoconhecemos como pede Deus para que sejamos perdoados através de uma sincera contrição, perceberemos que a unidade do homem só existe e é verdadeiramente compreendida humildemente através de sua própria natureza, que está ou antes dentro da unidade do ser de imagem e semelhança a ela, e que também é a unidade de tudo e todos. Somos feitos, como nos diz o Catecismo, "para Deus" e "por Deus", e é a verdadeira humildade o nome disso, a mesmíssima humildade a que evidenciara através de seus bofes investigativos, o filósofo Olavo de Carvalho. O mestre evidenciara que a partir da revelação de Deus à irmã Catarina, devemos pregoar-nos grandes, porque somos grandes, grandes, mas na medida da grandeza suprema, que é Deus, e jamais, sob hipótese alguma, devemos se nos doer aos cantos por aí, ingenuamente, opostamente à caridade de Deus para conosco, pregoando-nos nulidade. Diante de nossa inferioridade estrutural (inferiores a Deus), ainda assim somos grandes, porque Deus quer o sejamos. Como poderíamos ser uma nulidade, portanto? "Não somos uma nulidade", diz o filósofo. Percebe-se que segundo as palavras de Deus, "por ti mesma nada és", senão ao lado ou comunhão com Ele, que é poderoso e cujo nome é santo, aí somos alguma coisa. Humildade não é viver de cabeça baixa, não é ser "bonzinho", "gato e sapato" de outrem, ou qualquer papinho de coach acerca. Ser humilde não é ser modesto. "Como pode ser modesto se você é uma alma imortal?", pergunta Olavo, "Deus nos fez para sempre", responde em seguida. Também Chesterton disse que "o cristão deve ser humilde, mas não modesto". Acresce que, como diz o salmista segundo Olavo, o ser humano está "um pouco abaixo dos anjos e, às vezes, até acima de deles". Humildade é entender quem somos, por que o somos, e de onde viemos; que somos grandiosos, mas na medida em que Deus é muito maior, e se assim somos é por Ele e não por nós. Grandes; maiores do que qualquer outro ser temporal, já que o somos em um substrato atemporal, conquanto tenhamos por isso mesmo responsabilidades inimagináveis, a exemplo, por uma toupeira, ser amoral e portanto sem pecado, ou mesmo impassível de mal algum.

"Você tem substancialidade", diz Olavo. Somos tanto mais reais que este mundo, mesmo que porventura este venha a perecer, como os cientificistas amedrontam-se uns aos outros com narrativas mitopoéticas que eles chamam 'ficções-científicas', lá estaremos, cristão ou não, religioso ou não, mais vivos que a remanescência da Terra no espaço sideral, destruída por algum cataclisma. Ou na Danação ou na bem-aventurança do Céu.

Referência

https://www.youtube.com/watch?v=KT3oFODw35g