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Integração

Pensara em não dizer quanto ao meu dia supostamente primeiro em que, remunerado segundo a pontuação do horário, seria meu primeiríssimo dia enfim empregado e laborando, mas que na verdade se me mostrou mais um dia e menos dia da mais insípida atração cuja causa chamava-se ‘integração’. Cedi à obrigatoriedade de escrevê-lo. Entendo antes a obrigatoriedade do dia de integração pelo seu ideal de fazer sentir funcionário, ou “colaborador” como chamavam-no, parte integral da companhia e não mais um zé mané seu Osvaldo, peão de sacaria: o equivalente ‘servente de armazém’ ou cargo que essa empresa tinha em parelho àquele —; mas agora que também a conheço na prática não excetuada de seu acidente de ser chata e tediosa em seu processo, rejeito-a sem precisar atinar muito. Não significa absolutamente que não funcione; pode ser como pode não; “sentir”, ao cabo e por definição, é subjetivo: variará de cada um. Antes sentia que, no mínimo, assinariam minha carteira quanto antes e transformar-me-iam num legítimo “CLT”, ao que começaria no dia seguinte, mas que tão logo sanadas as dúvidas seria rápido o contrato e a sua assinatura como o seria minha carga horária fixa, acordada em seis horas e nada mais se a regra não fosse quebrada pela necessidade da hora extra, — de menos nunca o seria —, e não como as fixadas oito do setor administrativo e ademais, adoecidos pelo parasita e deixados para sobreviver sem vida, já eu andaria gripado apenas conquanto ainda assim enfermo; tudo demorara a mais em vista da integração, em que se falara e falara, por que razão, tão logo acabado, preferia que se me palestrassem via web: poupar-me-ia tempo, apertaríamos as mãos em menos, e poderia eu me dedicar à leitura dos grandes no tempo livre que se me restasse depois de monitorar, ligar e desligar grandes frigoríficos, e é leitura a cuja diligência postergo e postergo a ficar atrás de qualquer um não melhor em esforço e nem pior em oportunidade.

Passei mais de oito horas quase que diretas se não fosse um intervalo que na melhor seria se o não houvesse, de modo que poderíamos ter avançado e encurtado essas oito predefinidas, — uma hora de almoço… —, que não excederam às doze totais por um milagre. Uma manhã e uma tarde toda; e um comecinho de noite. Poderíamos; eu e mais outros que se sentiam análogos nas primeiras impressões e arremate, pular essa em princípio inescusável obrigação porque, enfim, teríamos de trabalhar efetivo no dia seguinte, fato inexorável que nos pedia sobretudo descanso e não vadiagem na empresa grande até tarde.


— Quantos somos? — perguntei a um dos colegas, olhando-lhe, atrás, por cima da espádua da cadeira em que me sentava.

Quinze... — ao que respondeu-mo, ainda ponderando aos circunstantes o dedo, de cima para baixo, contando-os e refazendo. — Talvez vinte.


Acho que ele tinha exagerado; porém dissera em última com tanta segurança, recontando a segurar a conclusão, que acabou por desmentir a primeira, e eu, antes da menor e velha, a creditar-lhe exatidão na nova, fruto esta do empenho de quem se emenda mediante a verificação, um entre os métodos científicos. Ao cabo, éramos no mínimo dez e não menos.

Depois da palestra a cuja proporção na receita foi o que precisamente havia dado a esta o desgosto generalizado, fomos todos a algo mais prático: dar uma voltinha de ônibus no pátio; gigantesco que era e movimentado, nem todos os lugares poderiam ser acessados mediante os passos, salvo só a poucos metros remotos que de dentro do veículo elétrico e seus janelões, enxergaríamos largo, ao passo que nossa palestrante e turismóloga da Segurança do Trabalho nos diria em que púnhamos a vista a cada ilharga.


— Aqui prezamos pela sustentabilidade e proteção do meio ambiente — ponderara.


Era de fato um bom ônibus; opostamente perfeito aos olhos dos da Viação Rocio, não tremelicava, é verdade, não tinha o ruído também ensurdecedor do motor à explosão, é verdade —, embora de eficiência diária limitada a mil e quinhentos funcionários, em contraste aos cem mil de munícipes da cidade, ao passo que custando vezes muito mais do que um movido a diesel. Salvar tartarugas era o acidente na minha cabeça; e que bem-vinda conveniência quando o objetivo, pensara, era senão salvar os ouvidos alheios, e adjunto a paz de seus portadores depois de um dia estressante de produção imposta pela política do salário mínimo, sem muitas negociações. Eis porque valia o dispêndio.


— Aqui prezamos pagar aos nossos colaboradores pouco mais do que um salário mínimo — ponderara, com modéstia eufemística.


Fosse eu, diria o valor exato; cem a mais e nada mais e menos. Porque, enfim, a insalubridade, a participação nos lucros da empresa, e demais, o faria acontecer mais suntuoso, conquanto infelizmente o Estado tão logo interviesse também e o deduzisse através de suas proteções. No fim, se dissera certo pelo motivo errado; “pouco mais do que um salário mínimo”, ela não poderia, em suma, melhor tê-lo dito. Isso nos havia dito ainda em palestra. De todo, no ônibus mencionara apenas o Estado, graças que sem insinuar-lhe aquela sua bondade de um pai ausente e o mais longe possível de ocioso.

Voltando agora definitivo ao autocarro e seu interior cujo itinerário ali turístico e não costumeiro, respeitava servilmente um chamado ‘mascara’, seu motorista, mais que lendário e entre os verdadeiros donos, os chinas:


— Para onde está olhando?

— Para as estruturas — quisera impressionar; olhava longe, para além do ônibus, tráfego desta vez não congestionado como é o habitual pela ausência do controle de fluxo e seu relativo cargo, olhava eu para esta crônica desde já, a como viria a escrevê-la, por onde começar e terminar, e deixar minimamente interessante, sem que o assunto, completamente o oposto em entretenimento, me vença não só pelo seu enfado inerente, mas também pela sua comorbidade chamada ‘preguiça’ que se me causa pensar-lhe muito. — Quero aprender sobre os locais, guardando-os na memória quanto puder.


Meu colega passou em algum momento a me imitar. Se parcialmente, fez bem; se totalmente, então fomos dois ensimesmados e ignorantes. Antes escutasse atento o que me tinha a dizer a funcionária naquela emocionante viagem, corpo geral e não específico ao qual faria parte não menos que amanhã, ajudasse a própria empresa em não adiar mais uma com a burocracia costumeira de um porto gigantesco como aquele, e culpa, convenhamos, não só dela; mas não escutava realmente, antes que antes escutava, vezes mais involuntariamente, o que os mais alheios na mesma posição que eu tinham a mencionar, de cochicho, baixinho, interessantes, notícias pessoais mais aprazíveis de um observador particular. Não ouso mencioná-las, assim, diretamente, tampouco dizer exato quem seja que as soltara, — não poderia —, enquanto a outra lá guiava os ouvidos dedicados e as bocas fechadas às profissões; mas serve em alguma instância ao meu imaginário como o cronista. Situações humanas; quem cujo engenho é escrever que não as venera?


— Aqui prezamos pela meritocracia, ou seja, pelo avanço meritoso por entre as carreiras — dizia; já ela mesma era carreirista, saída de baixo e erigida pelas próprias forças à posição antanho cobiçada, em que e pela qual pode até “responder criminalmente enquanto pessoa física” por quaisquer fatalidades adversas aconteça no porto. — Temos, no momento, uma maior procura por auxiliares dos vários tipos, como reefers, serviços gerais e de armazém, por isso a necessidade de se permanecer ao menos um ano o colaborador em sua posição antes de uma ascensão; também demandamos em estágios e por respetivos estagiários, o que pode valer muitíssimo ao colaborador numa eventual promoção ao cargo efetivo, este a que primeiro se teria estagiado.


Acabado a brincadeira, só cheguei a casa próximo às 20:00, com direito a carteira assinada e no outro dia, às 13:00, dever de labuta até às 19:00, todos os dias da semana pelos próximos cinco dias, a turnos rotativos, e obrigado pelas normas trabalhistas a ser roubado pelas normas trabalhistas, toda santa diária, semana, mês e ano, ao passo que a fonte pagadora é obrigada a ser indeliberadamente cúmplice e nem muito mais que indiferente ao estelionato.