O Alienista

Um louco de ideia cientificamente fixa que manda construir uma casa de orates, pretendendo agasalhar nela aqueles que apresentassem e padecessem da patologia psicológica do desequilíbrio absoluto das faculdades mentais (teoria sua em que, em suas palavras ilucidadamente alegóricas, se amplia uma pequena ilha da loucura na vastidão oceânica da razão, para um verdadeiro continente). Lá se vão parar, capturados, aqueles mentecaptos dos menores vícios e fraquezas de caráter que não seriam apanhados sem a mais nova teoria construída, e até os de perigosos acessos de loucura naturalmente considerados alienados pelos mais leigos no assunto como o padre Lopes, fazendo com que 4/5 da população da pequena vila de Itaguaí fosse considerada "mentecapta".

Agora, depois de uma sublevação de insatisfeitos com as medidas legislativas camufladas por ciência tomadas pelo excelentíssimo Dr. Bacamarte, o alienista, e sobretudo autorizadas pela câmara corrupta de vereadores por fazê-lo e assim permiti-las; e uma outra de insatisfeitos com os rumos tomados pela primeira; uma nova teoria faz o médico enxergar apoteoticamente a verdade novamente, soltando a todos que tinha diagnosticado.

Ao cabo, um louco de ideia cientificamente fixa que manda construir uma casa de orastes, pretendendo agasalhar nela, mas que agora tendo impugnado a si mesmo e antanho teoria, aqueles que apresentassem e padecessem da patologia psicológica do equilíbrio absoluto das faculdades mentais. Desta vez todos os mais excelentes dos homens e mulheres que apresentassem a melhor das retidões de alma, desejos e paixões, seriam capturados e agasalhados na Casa Verde, e em seus cubículos.

Já aqui pensava eu que o fim de Bacamarte seria no próprio manicômio, mas não esperava desde o início que fosse lá parar por livre e espontânea vontade científica, não sem antes que o padre Lopes arrematasse a doença ao alienista lhe diagnosticando a modéstia, por que se dizia ser não merecedor das qualidades notoriamente lhe atribuídas por qualquer quem o visse e lhe reparasse naquela modesta vila. Bacamarte se caísse por terra, antes o fazia com felicidade expressa.

Motivado, determinado e movido pela ciência a propósito de movê-la consigo, trancafia-se a si mesmo escrutando quem sabe a cura àquele que pudesse ser, segundo a sua enfim teoria, o único louco de toda a Itaguaí. Morre ali.

Aqui, nem o viciado ou mais equilibrado está louco. Louco está o alienista em se achar descobridor de uma pequena verdade e, extasiado, ampliá-la toda aos mais mínimos elementos e detalhes da vida humana, bagunçando o eixo da experiência real com a mentalmente construída, incorrendo em paralaxe cognitiva.