A filosofia nasce como um projeto da ação humana consciente.
Apesar de ser Sócrates mais novo
em relação aos seus predecessores na cronologia da história filosófica, é com
ele que se dá uma ambição consciente de busca pela sabedoria. A sincera busca
por aquilo que é amigável à natureza humana e que portanto lhe faz bem, por ser
esta intrinsecamente capaz de conhecer, e que portanto se autorrealiza na procura
e aquisição daquela.
Tales de Mileto é um cientista, é
alguém que se coloca um problema com pretensões de resolvê-lo, já Sócrates é
mais, é um filósofo; entende que além de tais e quais conhecimentos,
particularmente verdadeiros, existe o conhecimento da verdade que está fora de
todos os outros, porque enfim todos estes estão dentro dele. Sabendo que jamais
poderá alcançá-lo satisfatoriamente por inteiro, alega que “só sei que nada
sei”; está consciente e certo de que se alcançasse o conhecimento desta
sabedoria, contemplando-a plenamente, já não seria filósofo, mas o sábio
perseguido.
A filosofia nasce com a
consciência de que a sabedoria enunciada por Pitágoras é viva, inteligente e
está fora do homem, da natureza, porque enfim é ambos e muito mais, e que o
filósofo não é o sábio; o sábio já é a incorporação mesma do conhecimento a
quem o filósofo se dirige. E não a própria physis, ou antes os números,
o que já é bem melhor tendo em vista que já o eram antes que o universo existisse,
porque é verdadeiro que antes que fosse ‘2+2’ já davam ‘4’.
Pitágoras foi quem chegou mais
próximo na pré-história da filosofia a que chegaria mais tarde o projeto
socrático; as matemáticas são sim superiores, mas ainda apenas uma parte da
sabedoria e não a própria sabedoria considerada do ponto de vista de si mesma.
Imagino Sócrates que, como os
apóstolos de Cristo, morreu tragicamente por afirmar que existia uma lei maior
que a dos homens, o que teria pensado quando soubesse que aquilo por que se
deixou executar, baixara dos céus e se encarnou naquilo que se pode sentir,
tocar e olhar, e que por sua vez podia olhar, tocar e sentir, como ele,
Sócrates, não obstante não pudesse procurar sinceramente como ele, Sócrates,
pela amada sabedoria, porque eis que o Sábio é quem agora tentaria tocar o
filósofo e não o contrário.