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A Tragédia Grega

A tragédia grega enquanto disposição da ordem cívica nasce não só com a possibilidade socialmente assim legislada, do homem, pertencente sob certo aspecto ao seu meio coletivo, poder trazer à sua individualidade e toda a uma personificação da espécie da que ele é representante, mas também com a igual possibilidade catártica, efetiva, de se compadecer do herói que se defronta com um problema aquém do seu raio de ação imediato, ao passo que percebe a inferioridade mesma desse seu problema se considerado de uma escala ainda maior que todas as outras abaixo até então por ele próprio experimentadas; aprendendo com o sofrimento do herói e dilema dele uma lição.

Tinha este desígnio de fazer lembrar às pessoas as leis divinas e, portanto, superiores, que passavam em muito a autoridade de qualquer lei socialmente estabelecida, mesmo aquela a que promovesse o próprio teatro.

Sócrates é a realização material, real, do teatro grego, da tragédia. Seu desfecho. Defrontando-se com uma sentença ainda que absurda, um problema que lhe podia decidir a vida —, enxergando desde o primeiro momento em que como projeto pessoal resolvera buscar a sabedoria, entende, tal qual o herói trágico, que existem leis superiores àquelas que o sentenciaram à morte; entende que esta universalidade, totalidade, não obstante perfeita, eterna e acabada, possui uma autoridade que justamente não é deste mundo, do tipo que não se impõe neste como se lhe impuseram a condenação sob autoridade das leis terrenas confiáveis, restando-lhe ser convidado, pela sua própria consciência, ao martírio.

Se já no teatro, através das catástrofes, obscuramente se entrevia uma instância superior e eterna, Sócrates é quem efetivamente sucumbe tragicamente e assegura, para além de uma vida humana média, uma nova modalidade de verdade, com um grau perfeitamente superior ao da confiabilidade social, dentro de uma nova possibilidade cognitiva, em que retoma às teses e antíteses a noção de evidência, de fundo apodíctico bebido da geometria e o trazendo para o discurso.

Mais tarde seria vez da própria sabedoria encarnada, da verdade incorporada, sob o mesmo esquema de Sócrates, a realizar um sacrífico numa escala infinitamente maior ao do dele, assegurando com isto, para além de uma vida humana média, a Salvação à humanidade.