Tem
gente que é bagunceira contumaz; sem escrúpulo; sem consciência alguma ou
mínima para com seu entorno menos desprovido de semelhante sem-vergonheza.
Dormi
creio que no máximo cinco horinhas, porém penso que com ressalvas. Devido a
ruídos renitentes, falação desenfreada, birra de crianças mimadas, gargalhadas
até altas horas, penso que este tempo reduzido se tenha encurtado mais um pouco;
creio, agora, ter descansado efetivamente pouco menos que quatro horas, com uma
nítida impressão de ainda menos se levado em consideração a falta de qualidade
dessas horas tortuosas, com que entre cada adormecida e despertar fui-me ao
banheiro de casa, antes lamentar do que urinar.
É
uma mulher horrenda, crianças canhões como a mãe, e um sujeitinho asqueroso,
frouxo e balofo, que assombram com assiduidade regular minhas noites de sono.
Não bastasse, tenho ao longo dos anos fracassado com a hombridade de aguentar a
sorte de humilhações veladas em todos os meus trabalhos regularizados pelas
leis trabalhistas, e com a mórbida sorte de estar frequentemente
desempregado e imerso em minha própria inconstância profissional, além dessas
noites aterradoras, tenho a frustração angustiante de no meio disto não poder
nem como prática lenitiva gozar da própria liberdade domiciliar de, no meu
anonimado, recôndito, isolado —, fumar alguns cigarros; preciso fazê-lo como
que com medo, receoso da represália, lá fora, com os cachorros e no frio.
Cinco
horas agora. Perco o sono e com o auxílio do tabaco junto da falta do mais
fazer, em minha introspecção teço estas palavras de alívio primeiro no papel, a
próprio punho; convicto que pela manhã serei chamado a nomes feios, e convidado
gentilmente a zelar pela saúde dos demais residentes, próximo à latrina canina.
Ao
amanhecer do dia estão dormindo. Meus vizinhos bagunceiros. A mulher com
insônia, satisfeita e cansada. O gordo com o rei na barriga e saco vazio. As
crianças capetas sonhando com os anjinhos.